Nos quatro posts passados sobre David Melgueiro, abordamos primeiro o relato da suposta viagem, depois as tentativas anteriores, bem como a cartografia da época. Finalmente, neste post abordamos outros factores que podem indiciar que a Passagem era susceptível de ser concluída com êxito. A sequência completa desta investigação de David Melgueiro está disponível aqui, estando a versão em inglês disponível aqui, tendo sido igualmente publicada no Watts Up With That.
Do último post destacamos novamente Damião Peres, que referiu na sua "História dos descobrimentos portugueses" de 1959, a "eventualidade de terem existido condições meteorológicas excepcionais". Foi esta frase que me lançou nesta cruzada!
Sabia bem que não havia registos de temperaturas fiáveis à época. Mas sabia que haviam sido calculadas temperaturas para esse século pela dendrocronologia. De todos os trabalhos até hoje, há um que é dos mais referenciados na comunidade científica: "Annual climate variability in the Holocene" de Keith R Briffa, publicado em 2000 na Quaternary Science Reviews, e disponível aqui em PDF. Da análise visual que se pode fazer das médias de temperaturas que Briffa publicou na Figura 1 do seu paper, visível no gráfico abaixo, podemos ver que há efectivamente por volta de 1660 uma subida de temperaturas:
Sabia que Steve McIntyre já havia analisado estes estudos, e neste artigo encontrei informação importante para contextualizar o estudo de Briffa, bem como os dados originais deste. A importância deste trabalho é que a média de Briffa é chamada de "Northern Chronology Average", porque é obtida a partir de séries a latitudes elevadas. Tais temperaturas representam pois uma boa estimativa das temperaturas experimentadas ao longo da História, na zona por onde se faz a passagem do Nordeste. Daqui facilmente cheguei ao gráfico seguinte, utilizando os dados médios compilados por Briffa:
Aí se verifica que o ano do início da viagem de David Melgueiro, mas sobretudo os anos imediatamente anteriores, foram anos com temperaturas, no norte do hemisfério norte, claramente superiores à média. Aliás, foram as temperaturas mais elevadas em cerca de dois séculos! Tais temperaturas poderão ser uma prova de que terão existido as "condições meteorológicas excepcionais" de que Damião Peres falava.
Para uma melhor contextualização dos registos da Passagem do Nordeste, na imagem anterior anotei as datas mais relevantes da Passagem do Nordeste. Particularmente relevante são os anos frios experimentados por Barentsz, mas que mesmo assim ainda conseguiu contornar a parte norte da ilha de Novaya Zemlya, não muito longe do Cabo Chelyuskin, a parte mais a norte da Ásia. Note-se que as temperaturas experimentadas por Melgueiro terão sido melhores que as do próprio Nordenskiöld, que também teve a seu favor, nos seus dois anos de viagem, temperaturas acima da média...
Esta evidência não prova todavia que a viagem de David Melgueiro se tenha realizado. Apenas a torna mais provável, segundo as próprias palavras de Damião Peres. Os dados concretos praticamente não existem, e um manto de secretismo parece ter envolto esta história. Buache queixava-se mesmo que registos holandeses da suposta viagem não estavam disponíveis. Quem sabe, as provas definitivas estão aí algures...
Nota: Este post foi integrado numa página onde se relata toda a investigação efectuada sobre David Melgueiro: ecotretas.blogspot.com/p/david-melgueiro.html