segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

David Melgueiro

Também eu desconhecia a existência de David Melgueiro. O seu nome foi-me passado pelo leitor habitual, Jorge Oliveira, há mais de um ano atrás. Para quem gosta tanto de História como o Ecotretas, o desenterrar da história deste navegador português do século XVII tem sido um desafio muito interessante. Lancei o repto a algumas pessoas importantes da História em Portugal, mas preferiram ignorar-me. Por isso, percorri este caminho sozinho. Este é apenas o primeiro de vários posts sobre Melgueiro; no post final colocarei informação que permitirá possivelmente equacionar uma maior probabilidade da sua viagem!

David Melgueiro terá sido o primeiro a navegar a passagem do nordeste, entre 1660 e 1662, mais de 200 anos antes de Adolf Erik Nordenskjöld, quem comprovadamente a efectuou em 1878. Um dos relatos mais detalhados desta viagem é dado por Eduardo Brazão, em Os Corte Reais e o Novo Mundo, de 1965, em que descreve nas páginas 68 e 69:

(...)(*) No entanto é interessante aqui apontar a imaginária, como supomos, viagem do nosso Melgueiro, em que se acreditou durante bastante tempo. Oiçamos, sobre o assunto, DUARTE LEITE (ob. cit., vol. II, pág 261 e seg.):

«Nos fins do século XVIII achava-se em Portugal o tenente da marinha francesa La Madeleine, encarregado pelo seu ministro, conde Luis de Pontchartrain, de se informar das navegações e comércio dos portugueses no Oriente. No decurso da sua missão soube, por um marinheiro do Havre residente no Porto, duma extraordinária navegação do Japão a Portugal, feita por um português pessoalmente conhecido do marinheiro francês. Em Janeiro de 1700 comunicou as informações dele obtidas ao seu ministro, que as mandou arquivar: elas foram reproduzidas numa memória de 1754 pelo francês Filipe Buache, distinto geógrafo régio de Luis XV.

Contou o marinheiro francês que a 14 de Março de 1660 estava prestes a partir do porto japonês de Cangoxima o veleiro holandês Padre Eterno, ao comando do português David Melgueiro, carregado de ricas mercadorias orientais e de passageiros holandeses e espanhóis, talvez mesmo de portugueses, visto como já no século passado tinham entrado no império nipónico. Ao tempo a Europa deflagrava em guerras, da Holanda com a França, a Espanha e Portugal, da Espanha com a Inglaterra, aliada de Portugal, que lutava pela sua independência: o Atlântico e os mares orientais estavam infestados de navios armados em guerra, aos quais se juntavam os empenhados no corso. Era quase certa a captura do Padre Eterno, se tentasse regressar à Europa pela única via até então utilizada do cabo da Boa Esperança, de sorte que Melgueiro resolveu arriscar-se à que lhe restava, pelos mares glaciais que circundam o velho continente. Tomou pois pela corrente que banha as costas orientais do Japão e segue até o estreito de Anian-Bering, contornou o extremo da Sibéria ao longo de cujo litoral velejou, presumivelmente muito pelo largo, pois não o conhecia: atingia a elevada latitude de 84º N. passou entre a Gronelândia e o arquipélago de Spitzberg, e singrou ao lado da Noruega, donde deu a volta a barlavento da Irlanda e foi ter a um porto da Holanda, onde depôs os passageiros e as respectivas mercadorias. Cumprida, felizmente, a sua missão, partiu no Padre Eterno para o Porto, com açúcar e vinho recebido em escalas, terminando a sua longa e aventurosa viagem em data desconhecida; e nessa cidade morreu, pouco depois de 1673, tendo o marinheiro de Havre assistido ao seu enterro.

À sua memória de 1754, juntou Buache a cópia dum mapa português datado de 1649, dum tal Teixeira, que examinou no arquivo da marinha francesa, no qual traçou o itinerário que julgou ter sido o de Melgueiro: ele segue do Japão pelo estreito de Anian-Bering até o extremo da Sibéria, depois tanto pelo largo que ultrapassa o pólo e vem passar entre as ilhas da Gronelândia e de Spitzberg, e ladeando a Irlanda corre para as costas europeias».

Ora este projecto é hoje considerado impossível, mas o erudito e diplomata Jaime Batalha Reis, em 1897, dava-lhe nova nova forma (O Comércio do Porto, de 3 de Fev. desse ano, estudo reeditado na colectânea póstuma do escritor, Lisboa 1941).

No entanto, recentemente, Teixeira da Mota conseguiu identificar o cartógrafo mencionado (Portugaliae Monumento Cartographiea, vol. IV), havendo a possibilidade, até aqui improvável, de, realmente, La Madeleine ter visto em França um mapa português de 1649 dum cartógrafo de nome Teixeira. Mas falta averiguar se realmente, na data que se apontou, saiu de Cangoxima um veleiro holandês de nome Padre Eterno; e ainda, acima de tudo, se houve algum português com o nome, que não parece nosso, de David Melgueiro ou talvez melhor Melguer.

O problema fica ainda arquivado na estante vasta das fantasias históricas.

Este livro tem uma versão inglesa, sendo que há também a versão francesa do livro, que está disponível online aqui.

A leitura do texto de Brazão, remete indirectamente para o texto de Philippe Buache, um geógrafo francês. Os escritos originais de Philippe Buache, em "Considérations géographiques et physiques sur les nouvelles découvertes au Nord de la grande mer", de 1753, estão disponíveis aqui. A parte interessante relativa a Melgueiro está entre as páginas 137 e 139...

Nota: Este post foi integrado numa página onde se relata toda a investigação efectuada sobre David Melgueiro: ecotretas.blogspot.com/p/david-melgueiro.html